terça-feira, 15 de julho de 2014

menina pássaro

Tateia-me sob a luz tímida da noite
entre cacos e caos de vida e vidro
a sombra do fantasma te persegue,
projeta-se nas paredes da alma e do olho

nas veias corre quente o sangue,
no chão tingido de tinto coagula o vinho
inebriante  aroma do perfume
nos negros fios tecidos de linho

braços de pena em forma de asa
voa alto o passarinho a olhar pela janela
coração amarelo à noite canta
tímida ave do velho mundo a passarar

o olho estrábico vê de ponto em ponto a linha torta,
a criança cansada não dorme
inquieta dentro do corpo amorenado da menina já adulta
que canta de dia e de noite, metade pássaro, metade gente

as mãos e os dedos de pena escrevem poesia
para ser livre, para se curar da dor
para vomitar sua indignação, para suportar o mundo dia após dia
os olhos, os óculos, o corpo, a matéria, para ser o verbo, o pó, poesia e cor

a menina dorme sobre seus livros
acalenta-se, afaga-se
embaixo das asas do grande pássaro

chamado poesia.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Um jogo de sorte

Urca, zona sul do Rio de Janeiro. Bairro nobre, bem situado, lindas paisagens. Praias, universidades, cultura, criminalidade quase não há. Lugar bom para quem tem dinheiro. Seis camaradas jovens, bem sucedidos e com grana suficiente para viver no mínimo umas duas vidas resolvem participar de um jogo de azar ou sorte dependendo do dia. Os camaradas chegaram bem vestidos, tinham a pele pálida. Entram pelas portas dos fundos do velho cassino da Urca. A mesa já estava posta e sobre ela só se via uma toalha vermelha e um revolver calibre 38, seis balas, seis rapazes, um iria morrer. Os rapazes se acomodaram sem muito conforto. Não havia necessidade de conforto, o desconforto psicológico era pior que o físico. JK foi o primeiro, pegou o resolver, sentiu o peso, não era tão pesado. Colocou uma bala, girou o tambor, encostou a arma na cabeça e puxou o gatilho “tec” foi o som que se ouviu. Uma gota de suor escorreu pelo seu rosto. Colocou a arma sobre a mesa e a empurrou no sentido anti-horário. O próximo foi Bulldog que tremia e tinha o olhar psicótico. Bulldog pegou a arma, adicionou mais uma bala, girou o tambor, encostou-a na cabeça e puxou o gatilho “tec” foi o som que novamente se ouviu. Bulldog riu aliviado, com as mãos ainda tremulas colocou a arma sobre a mesa e a empurrou para Bob. Bob pegou a arma, sentiu um frio lhe subir a espinha, adicionou mais uma bala, girou o tambor e o fechou. Havia três balas no tambor do revolver e Bob pensou: “tenho cinquenta por cento de chances de escapar dessa.” Encostou o cano gelado do revolver na cabeça, sentiu todo seu corpo se arrepiar, respirou fundo, fechou os olhos e puxou o gatilho e som se repetiu “tec”, abriu os olhos, coração acelerado e suor frio. Bob respirou fundo por três vezes antes que pudesse largar a arma sobre a mesa e empurrá-la para João. João que não era o do santo cristo nem o Batista pegou a arma sem receio, sem medo, sem nada, para ele tanto fazia viver ou morrer, a vida é um risco disse ele. Adicionou a sua bala ao tambor. Eram agora um total de quatro e as chances de sair ileso eram de pouco mais de 30 por cento, girou o tambor, encostou a arma na cabeça e puxou o gatilho de uma vez, rápido, sem pensar muito no que estava fazendo. E para surpresa o som que saiu da arma foi o mesmo de outrora, aquele “tec” seco, curto, que era um alívio para alguns e a angústia para outros. João baixou a arma sobre a mesma e a passou para Jeff. Jeff foi o quinto eram 75 por cento de chances de morrer e 25 por cento de chances de viver. Nunca em sua vida tinha corrido tanto risco, nunca em sua vida tinha desejado tanto viver como naquela hora.  Pensou na família, pensou no sujeito egoísta e esnobe que tinha se tornado. Pensou nas noites de festas no Rio de Janeiro. Queria desistir do jogo, mas não podia, então pegou a arma, adicionou sua bala, girou o tambor, com relutância e muito medo, encostou a arma na cabeça e puxou o gatilho. Logo em seguida o alívio, pois mais uma vez o som que a arma proferiu foi “tec”. Jeff abaixou a arma sobre a mesa e a empurrou para Sem Sorte. Sem Sorte tremia e lagrimas escorriam pelo seu rosto, estava pálido, gélido, gaguejava ao tentar falar. Pegou a arma, abriu o tambor, contou: uma, duas, três, quatro, cinco. Pegou a sua bala, sentiu-a, observou a coloração dourada, com temor adicionou a última bala ao tambor do revolver, girou e fechou. Encostou o cano na cabeça, fechou os olhos, apertou o gatilho e gritou. No entanto a arma gritou de volta “tec”. Todos olharam perplexos, Sem Sorte estava incrédulo, atônito, zonzo e feliz, Sem Sorte teve um dia de sorte por ironia do destino a arma não quis disparar. 


domingo, 6 de julho de 2014

Pesadelo #10



 Caminhava apressadamente acompanhado pelo som de seus próprios passos. Já era tarde da noite e o relógio ainda marcava 22 horas em ponto, Johnson nem havia percebido que seu rolex tinha deixado de funcionar há algumas horas, devido ao seu estado de embriaguez provocado pelos incontáveis copos de uísque com gelo. A rua estava escura e silenciosa, como sempre, mas ele conhecia bem aquele lugar, sua casa fica a poucas quadras dali e Johnson costumava voltar a pé após suas longas noites de bebedeira no Free Jazz, bar onde passava horas com os amigos jogando conversa fora, ouvindo um bom jazz e bebendo, o que entre as três era a que ele mais apreciava. Enquanto caminhava, sua mente pregava-lhe peças, Johnson usava bem a imaginação e fazia desta habilidade seu passatempo preferido.
Enquanto caminhava tinha a impressão de estar sendo seguido e, movido pelo instinto, virava-se para trás a cada 10 passos percorridos, mas não conseguia encontrar ninguém além de ele próprio. Johnson se aproximava de uma casa abandonada, onde há muito tempo não morava ninguém e se lembrou de que havia uma lenda sobre aquela casa e que ele próprio sabia contar com exatidão, sabia também que era por este motivo que a casa permanecia sempre vazia.

  Após retornar de seus devaneios, Johnson percebeu que caminhava mais rápido, chegava perto de uma leve corrida, sua respiração começava a ficar ofegante e seu coração batia apressadamente, tinha sensação de estar sendo seguido de perto, mas não via e nem ouvia nada a não ser o barulho do vento que começava a soprar e a mexer os galhos nas árvores. Quando passou em frente à casa, Johnson não quis olhar, mas sentiu-se atraído e não resistiu, ao olhar teve a impressão de que algo se mexeu dentro da casa, pareceu ter visto uma sombra se mover rapidamente, então ele respirou fundo e pensou: “é apenas a minha mente, meus olhos estão vendo apenas o que a minha mente quer que eu veja”. Johnson resistiu por alguns instantes, mas tornou a olhar para o interior da casa e desta vez notou que havia uma pequena chama, parecia ser uma vela acesa e se perguntou: quem poderia ser? O que está acontecendo? E novamente teve a impressão de ter visto uma sombra se mexer dentro da casa abandonada. Johnson quis correr, mas seu sistema nervoso estava paralisado e movido apenas pela vontade de saber quem poderia estar habitando aquele lugar maléfico que carregava histórias tão horríveis.







Johnson seguiu em direção a casa, agora a passos lentos, receosos,  estava a suar frio e o coração queria saltar-lhe à boca, a cada passo dado a porta ficava mais perto e a luz que vinha de dentro se tornava mais brilhante. As folhas secas no chão estalavam e Johnson arrepiava-se e tremia, pensava ele: “o que estou fazendo? É assim que se morre nos filmes de terror!” Notou que com mais cinco passos estaria dentro da casa e descobriria o que estava acontecendo. Decidido sobre o que ia fazer e esperando pelo pior, ao se deparar com a porta aberta em um movimento rápido, ele saltou para dentro da casa e, ao olhar todo o interior, notou que havia pegadas de lama no chão, pegadas grandes, viu também que as paredes estavam marcadas por símbolos feitos com sangue e Johnson teve certeza de que os rumores eram verdadeiros, “a casa está realmente abandonada”, pensou ele. Nesse momento, ouviu um barulho que vinha dos fundos, correu seguindo o som e quando se deparou com o lugar ficou surpreso com o que via, seus olhos pareciam não acreditar e ele num gesto de puro reflexo começou a gritar descontroladamente, “NÃO, NÃO, NÃO...” Foi então que ouviu uma voz branda chamar pelo seu nome e gradativamente a voz que chamava ia aumentando. Notou então que a voz que chamava por ele parecia com a de sua mulher e ele se perguntou: “o que Katharine faz aqui?” Foi então que ele ouviu novamente a voz dizer: “Johnson você esta tendo um pesadelo. Acorde! Vamos!”. E ele levantou-se depressa e sentou-se na cama e percebeu que tudo não passou de um pesadelo, ele sorriu e voltou a dormir.