segunda-feira, 19 de maio de 2014

José Benedito da Silva (Zé)

Marcado feito gado, carrego no peito o meu nome de batismo que minha adorada mãezinha me deu antes de morrer no parto. Fui registrado no cartório de Milton Brandão, Piauí. Lá, meu pai e avós chegaram comigo no colo e disseram ao tabelião:
- Viemos registrar o menino.
- E qual vai ser o nome?
- José Benedito da Silva.
Meu pai me contou mais tarde que eu chorava muito nesse dia, deve ser porque já sabia a sina que me esperava. Vida dura essa do sertão, trabalhar pra ajudar painho com as despesas e ainda cuidar de meus irmãos. Tinha cinco irmãos todos mais novos e famintos. Perguntava-me porque não demorei um pouco mais pra nascer, mas Deus quisera assim e eu digo Amém!
O tempo passou depressa e eu cresci, me fiz homem de barba na cara e pelo nos culhões.
 Decidi ir embora pra São Paulo, ganhar a vida na cidade grande. Ouvia dizer que a vida lá era mais fácil e que o sol nem era tão quente como o daqui, o chão não era ressequido, mas tinha asfalto por onde cavalos com rodas pastavam. Fiz a mochila, não tinha muito a levar, tinha apenas uma meia dúzia de roupas, um sapato gasto, um chinelo de dedo e um livro que nunca cheguei a ler, devido à ignorância. Não frequentei a escola, tive que trabalhar desde muito menino.
O livro eu mantenho guardado, ele é bonito, tem capa dura e ranhuras em dourado, as folhas estão amareladas devido ao tempo, mas isso só o deixa mais charmoso.
Chegando a São Paulo, logo vi os arranha-céus, o barulho, a poluição, e a agitação da cidade grande. Fui morar num bairro de periferia, sem muito dinheiro no bolso, foi o que de melhor pude arranjar. No barraco não tinha banheiro, o encanamento era precário e quando chovia, me molhava bem menos se ficasse do lado de fora. Consegui um emprego como carregador de caixas numa feira, trabalhava terça, quinta e domingo. Logo ganhei um apelido, e fiquei conhecido como Zé entre os companheiros.
Ao voltar pra casa, cansado da labuta, tomava um banho num chuveiro improvisado feito com lata de tinta, era melhor que ter aquele fio de água gélida caindo diretamente sobre minha cabeça, após o banho me deitava preocupado e cercado por nostalgia. Pensava em painho e nos meus irmãos lá em Milton Brandão, nas ilusões da cidade grande e nos meus sonhos de poder conseguir comprar uma casa, um carro, ajudar painho e meus irmãos e aprender a ler.
Pensava no meu apelido, Zé, e percebi que naquele lugar distante e surreal eu era apenas mais um Zé, um Zé ninguém, analfabeto e pobre, à deriva em um mar de gente que se atropela todos os dias perdidos em sonhos triviais e presos a banalidades do cotidiano.
Passados dois anos da minha chegada à cidade grande, já tinha trocado infinitas vezes de emprego, mas agora trabalho numa multinacional. Continuo ganhando pouco, mas esse pouco é bem mais do que o que ganhava como carregador de caixa na feira. Continuo morando em um barraco, só que este possui um encanamento decente, banheiro e um chuveiro quente. Ainda não consegui realizar o sonho de comprar uma casa e um carro, mas já posso ajudar painho e meus irmãos lá em Milton Brandão. Entrei em uma escola pra adultos que não puderam estudar antes e já consigo ler o livro que outrora só admirava a capa e aquele monte de letras que não faziam nenhum sentido. Hoje já posso ler as letras douradas que dizem: Dom Quixote, Miguel de Cervantes Saavedra.


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