Marcado feito gado, carrego no peito
o meu nome de batismo que minha adorada mãezinha me deu antes de morrer no
parto. Fui registrado no cartório de Milton Brandão, Piauí. Lá, meu pai e avós
chegaram comigo no colo e disseram ao tabelião:
- Viemos registrar o menino.
- E qual vai ser o nome?
- José Benedito da Silva.
Meu pai me contou mais tarde que
eu chorava muito nesse dia, deve ser porque já sabia a sina que me esperava.
Vida dura essa do sertão, trabalhar pra ajudar painho com as despesas e ainda
cuidar de meus irmãos. Tinha cinco irmãos todos mais novos e famintos.
Perguntava-me porque não demorei um pouco mais pra nascer, mas Deus quisera
assim e eu digo Amém!
O tempo passou depressa e eu
cresci, me fiz homem de barba na cara e pelo nos culhões.
Decidi ir embora pra São Paulo, ganhar a vida
na cidade grande. Ouvia dizer que a vida lá era mais fácil e que o sol nem era
tão quente como o daqui, o chão não era ressequido, mas tinha asfalto por onde
cavalos com rodas pastavam. Fiz a mochila, não tinha muito a levar, tinha
apenas uma meia dúzia de roupas, um sapato gasto, um chinelo de dedo e um livro
que nunca cheguei a ler, devido à ignorância. Não frequentei a escola, tive que
trabalhar desde muito menino.
O livro eu mantenho guardado, ele
é bonito, tem capa dura e ranhuras em dourado, as folhas estão amareladas
devido ao tempo, mas isso só o deixa mais charmoso.
Chegando a São Paulo, logo vi os
arranha-céus, o barulho, a poluição, e a agitação da cidade grande. Fui morar
num bairro de periferia, sem muito dinheiro no bolso, foi o que de melhor pude
arranjar. No barraco não tinha banheiro, o encanamento era precário e quando
chovia, me molhava bem menos se ficasse do lado de fora. Consegui um emprego
como carregador de caixas numa feira, trabalhava terça, quinta e domingo. Logo
ganhei um apelido, e fiquei conhecido como Zé entre os companheiros.
Ao voltar pra casa, cansado da
labuta, tomava um banho num chuveiro improvisado feito com lata de tinta, era
melhor que ter aquele fio de água gélida caindo diretamente sobre minha cabeça,
após o banho me deitava preocupado e cercado por nostalgia. Pensava em painho e
nos meus irmãos lá em Milton Brandão, nas ilusões da cidade grande e nos meus
sonhos de poder conseguir comprar uma casa, um carro, ajudar painho e meus
irmãos e aprender a ler.
Pensava no meu apelido, Zé, e percebi
que naquele lugar distante e surreal eu era apenas mais um Zé, um Zé ninguém,
analfabeto e pobre, à deriva em um mar de gente que se atropela todos os dias
perdidos em sonhos triviais e presos a banalidades do cotidiano.
Passados dois anos da minha
chegada à cidade grande, já tinha trocado infinitas vezes de emprego, mas agora
trabalho numa multinacional. Continuo ganhando pouco, mas esse pouco é bem mais
do que o que ganhava como carregador de caixa na feira. Continuo morando em um
barraco, só que este possui um encanamento decente, banheiro e um chuveiro
quente. Ainda não consegui realizar o sonho de comprar uma casa e um carro, mas
já posso ajudar painho e meus irmãos lá em Milton Brandão. Entrei em uma escola
pra adultos que não puderam estudar antes e já consigo ler o livro que outrora
só admirava a capa e aquele monte de letras que não faziam nenhum sentido. Hoje
já posso ler as letras douradas que dizem: Dom Quixote, Miguel de Cervantes
Saavedra.
Gostei
ResponderExcluirvaleu!
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